Escuta a noite

Escuta à noite
O escuro tomou conta da noite no acampamento! Os risinhos e as frases curtas, atiradas à socapa já acabaram. Eles lutam contra o cansaço, mas este teima em vencê-los sempre, meninos e meninas com a cabeça cheia de sonhos e o coração a palpitar. No coração a saudade da mãe, do pai, dos manos, de uma casa que fica mais vazia porque eles não estão lá. No coração a felicidade do dia que passou, a magia assustadoramente inebriante da noite feita para aguentar sem chorar, a excitação pelo nascer do sol. Às vezes uma lágrima escapa-se entre o saco cama e a dobra da noite. Às vezes dou por ela...

Lá em casa dos pais, o silêncio muitas vezes toma conta do serão, acomoda-se nos cantos da sala e os olhos das mães já varreram de forma inata e involuntária todo o espaço, procurando a presença dos filhos. No coração, a saudade do menino e da menina, o orgulho pela conquista deles, mas ao mesmo tempo a sensação de incerteza: às tantas ainda é muito cedo, podia ter experimentado para o ano! Será que ele(a) está tapado? Meu Deus e se ele(a) chama e não o(a) ouvem!!! E ele(a) que gosta que lhe chegue os cobertores para cima...Ainda por cima deve estar com fome...nunca come bem fora de casa...Às vezes uma lágrima escapa-se entre o sofá e a dobra da noite. Às vezes dou por ela...

Tenho a cabeça na almofada que enchi de ar com um ou dois sopros logo de manhã quando cheguei. Os meus olhos estão abertos. Os pensamentos vagueiam entre as cabeças enfiadas nos saco-cama e as dúvidas dos pais que ficaram em casa, e também não dormem. Ouve-se um suspiro. Começa a ronda. Aqui cobertores para cima, ali um jeito em gente fora das esteiras, mesmo aqui umas saudades de casa que saíram do peito sem avisar. - Balu posso ir à casa de banho? Podes querida, o Balu espera por ti. Lá mais ao fundo alguém ressona, ainda bem. 

Volto ao meu poiso. Ajeito os 40 anos no chão e tapo-me com o meu tecido-cama com 20 anos. Os cobertores que trazia hoje já foram quase todos distribuídos por aí, para matar saudades de casa com um abraço apertado, para assustar o medo do escuro, para tornar mais quentinho o sorriso da menina nova que mesmo agora chorou. Volto ao meu poiso, já não tenho almofada, já ficou debaixo da cabecita da Maria Marta. Visto o casaco grosso e volto a deitar-me. Lá para casa envio um beijo aos pais que confiam e peço que durmam sem receios...por aqui está tudo normal...até à próxima ronda...até ao próximo abraço...até não haver mais cobertores...

Meu Deus como eu adoro isto :)


Comentários

  1. Texto maravilhoso. Ainda bem que há pessoas assim com tamanha capacidade para se dar aos outros.

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    1. Simpatia sua. Obrigado. É um gosto estar lá e tornar as coisas mais fáceis.

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