O que fica do Natal?


Isso
NASCER
Estamos todos em casa, nalgum momento de cada Natal. Corremos antes mais ou menos dias em busca da falsa felicidade que se vende em pacotes, caixas, sacos brilhantes, baús estonteantes, molduras, atoalhados, cachecóis e casacos forrados. Meias, chapéus, cortinas e bazaréus. Corremos porque queremos fazer os outros felizes, dando-lhes dessa felicidade barata que tantas vezes nos custa dinheiro a mais e traz vida a menos, utilidade muito pouca, distracção tanta, avulsa, assustadoramente passageira.

Não nascemos vezes suficientes ao longo de toda a nossa vida, continuamos a nascer uma vez primeira e corremos até que ela se esgote no nada, e se perca na memória que morre com os que nos guardam. Não nascemos muitas vezes no Natal, nem assistimos ao nascimento de outros, nem somos parteira no nascimento dos mais nossos. Corremos para lhes dar um momento de felicidade em pacote e negamos a todos a felicidade de estar, de ser, de ouvir, de abraçar e de amar.

Não nascemos no Natal, apesar de sabermos e dizermos que nasceu Jesus para que possamos nascer com ele. O Natal é o nosso repetido nascimento, na esperança que da próxima vez nasças melhor, com maior consciência do teu lugar no presépio lá de casa, feito das pessoas e não do lugar vazio pela ausência delas. Nascemos pouco e depois escondemos o presépio numa caixa que fica no sótão, longe da nossa vista, empoeirada como o nosso coração, que mais facilmente se condói com uma imagem na televisão do que com a tristeza silenciosa de quem está a comer a teu lado na mesa que tu próprio preparastes com requinte.

VIVER
Vivemos rodeados por simbologia gritante feita de luzes, de adornos e ornamentos, de néones, embalagens, imagens e mensagens, frases feitas, chamamentos. Nem sempre vemos, poucas vezes ouvimos o que os símbolos nos querem dizer efectivamente, na sua simplicidade e construção primitiva, selvagem porque livre, audaz porque efectiva, direccionada para nós porque diz da vida, da nossa vida. Viver é dizer da tua vida, é estando vivo, conseguires inspirar outros à vida. Depois lês uma passagem sagrada e achas que fala para ti e que todo o universo se alinha porque tu encontras sentido na forma como te vestes para ler.

Viver não é estar vestido, é ficar nú, é ser simplesmente lugar onde vive Jesus pequenino, o mesmo Jesus que te tornará grande se não quiseres ser grande. Viver depois de nascer não mais vezes do que a primeira, é apenas parvo. Temos que nascer muito para vivermos mais. Temos que viver melhor para sabermos que é urgente nascer mais vezes. Como saberás isso se não viveres? E de que falo eu quando digo que o Natal é sempre uma oportunidade? Quando me ouço assim, no vazio, penso sempre que o Natal é uma oportunidade para estar calado…

ILUMINAR
Natal não é chegar a nenhum sítio nem descansar em parte alguma. Natal não é prémio pelo ano nem merecimento pelo trabalho ou pelo esforço. Natal é Luz, daquela luz pequenina que tu não tens que ver mas que tens que sentir acontecer em ti. Natal é luz de presença, não holofote que te queima e que teria como consequência primeira e única cegar e ofuscar os outros. Os outros não têm que te ver, os outros têm que ver por ti, têm que ver através de ti, têm que ver contigo. Os que te são e os que em nada te pertencem, têm que sentir aconchego por proximidade, por relação, por essa luz de presença em que te tornas humanidade e sinal de Deus, no mesmo coração, na mesma vida que te pertence e que tu dás a cada minuto.

Natal não é simbologia, para depois, quando desces as luzes de casa e recolhes ao teu leito, realizado, farto, saciado e tonto, deixar de o ser porque já acabou. Se o Natal acabar quando acaba a tua celebração de Natal, não entendeste a simbologia primitiva de que a estrela veio falar. Não entendeste o calor das palhas em madeira velha, não entendeste o significado do Presépio nem a dureza de ter sido rejeitada uma criança que queria apenas viver, salvar o mundo e morrer para viver de novo no teu coração. O teu presépio tem essa criança?

O QUE OS OUTROS VÊEM
O Natal tem que se ver sempre, mesmo nos dias de verão, e nos dias em que choras, e nos dias em que ninguém celebra coisa nenhuma porque a vida boa, na sua maioria das vezes, não é celebração, não é festa estonteante, a vida é sempre viver, construir, amar, combater o medo e fugir da tentação de ficar presos nos ornamentos e deixar de ver os sentimentos, as mensagens reais, as missões necessárias. A vida é dura caro amigo, e é aí que os outros têm que ver Natal, e Luz e presépio montado.

O que fazer com a Luz do Natal que nasce no meu coração? Mantê-la sempre viva, sempre acesa. Torna-la candeia que vai na frente, não para que te vejam no primeiro lugar da fila, não para que te sigam, mas antes para que sigam a Luz, para que sintam a Luz. A Luz não te serve, a Luz serve para que outros se sirvam dessa oportunidade de descobrir Luz no seu coração. A Luz não te serve, tens que a dar, fica-te apertada se apenas viver em ti, partilha-a, durante todo o tempo. Entra no presépio em Março e lá para Junho, quando sentires que se apaga em ti, volta para junto daqueles a quem a mostraste no Natal e reclama deles que te mostrem de novo mais Luz.

O que outros conseguirem ver em ti, facilmente te devolverão quando mais precisares. E assim, tu e os outros, ocupando o lugar de cada um no Presépio que diz da vida, não terão jamais que correr em busca de felicidade em pacotes, que te cansa, gasta e te deixa triste porque sabes que nunca será suficiente para tornar melhor quem recebe, nem para mudar o mundo que nada ganha.

Nascemos pouco porque decidimos cedo que viver é deixar o mundo às escuras iluminando apenas o espaço onde vamos colocando os nossos pés…

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