41.0 Meio Tempo
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Passei já do meio do meu tempo. Sempre vivi para viver e
espero viver toda a vida, seja isso o tempo que for. Tenho tido medo de muitas
coisas e tenho coisas que me amedrontam mesmo quando não penso nelas. Quero
viver os dias por aquilo que os dias me deixam ser, por aquilo que consigo
criar, mesmo quando invento coisas em cima de coisas e mesmo assim não deixo
coisas para trás. Pessoas. A vida tem pessoas dentro e quando estamos dentro da
vida, olhamos em redor e vimos tantas pessoas que nos são tanto, que nos são
tudo, que são. Coisas. Parece-me hoje que as coisas ontem pareciam maiores.
Lembro-me de ser rapaz miúdo, baixinho e pequeno,
esmagriçado e torcido, envergonhado e tolhido pela grandeza das coisas. Era
tudo tão alto em meu redor que eu ficava lá em baixo onde o pó assentava e as
luzes não incidiam com tanta força. Vivi aí, nessa dimensão curta de ombros,
procurando crescer por dentro, para ficar maior do que o sol e chegar assim
como hoje, a meio do tempo que penso ser o meu. Hoje não sou grande,
eventualmente nem grande coisa serei, mas sou mais alto e tudo agora parece
mais próximo. Lembro-me de sonhar a vida e adormecer tremendo com medo de não a
conseguir viver. Lembro-me da dobra do lençol do meu divã encovado e do batuque
das gotas de chuva do beirado baixo e velho.
Passei já do meio tempo, e nem pergunto quanto mais me será
dado. Lembro-me de nem sequer imaginar chegar aqui, vivo, capaz de viver nos
dias e deles fazer a coisa mais bonita que consigo. Lembro-me de querer casar
com ela, de a querer amar e de imaginar que ela nunca iria nessa conversa.
Lembro-me de a ter beijado uma vez, a primeira, e depois dessa nunca mais ter
sido igual, foi sempre melhor. Lembro-me do medo de não saber se seria bom pai,
numa altura em que imaginava os meus filhos correndo para mim como hoje…
Lembro-me de um dia ter sonhado esta vida, sem saber quanto
tempo teria para a viver. Hoje, chegado a meio do tempo que é meu, continuo com
muito medo, não de morrer, mas antes de não conseguir viver…
Lembrar-me-ei sempre de um dia…
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