Quero ficar em tua casa!
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Homem árvore |
Aquele homem tinha a sua
oportunidade, única por sinal. Não era dos bons, era dos outros, os que não
esquecem porque pela negativa são presença na vida de muitos. Era um homem
vaidoso da sua condição, ou temeroso, não sei bem. Era rico de bens materiais,
de fortuna, de casas, terrenos e a soberba não deixava ver mais ninguém. Penso
até que viveria só, sem família. Nunca teve os seus para se alegrar com eles, ou
se os teve, tempos houve em que os perdeu, em que não mais estavam em sua casa.
Aquele homem vivia os dias todos da mesma forma. Tinha um trabalho e perseguia
os que pouca coisa tinham, talvez para cumprir as ordens dos que mantinham
possível a sua condição de vida, a sua diferenciação, o seu poder.
Aquele homem não era um homem feliz.
Dentro da sua casa o conforto lembrava-o a toda a hora que o seu coração não
tinha casa, nem família, nem motivos para continuar a bater ao compasso da
alegria que pulsa quando o coração habita. Invariavelmente nunca tinha para
onde ir, e ia sempre para o seu posto de cobrador, ignorando a miséria das
palavras, das dores, das dificuldades, das feridas que o povo não conseguia
sarar. Ali passava as horas do dia sem ver nada a não ser a luz das moedas de
ouro que desgraçadamente lhe faziam pender sobre o tampo da mesa de madeira
tosca. Aquele homem era um homem igual a tantos outros…aquele homem ainda é…
Naquele dia a multidão ouvia-se nas
ruas. Ninguém junto da banca do publicano. Ninguém para o cumprimento de dever
ao império de dar o que não tinha, de entregar o que falta fazia. Naquele dia
todos acorriam à rua principal, uma espécie de largo que se abria na cidade
como os corações se abrem aos outros que acolhemos. Zaqueu, sentado na sua
banca, puxava o lustro às moedas “nascidas” nessa manhã. Os olhos caiam no
tampo enquanto mecanicamente as mãos deslizavam no ouro. Os olhos não olhavam a
rua, nem o chão de terra, nem o céu azul. Os olhos estavam ansiosamente à
espera que o seu dono se levantasse e seguisse o que palpitava no seu coração.
Havia ali um homem daquele tempo que
haveria depois de morrer por amor como paga pela morte por ódio. Um homem que
amava quem pecava e se rodeava de quem queria amar assim. Zaqueu, com os olhos
ainda no tampo, ouvia os gritos pela chegada daquele homem. Zaqueu sabia que
aquele homem que vinha a pé, levantando o pó da estrada, seria capaz de
levantar os seus olhos do tampo, o seu coração do peito, a sua vida prisioneira
dentro do saco das moedas de ouro. Havia em Zaqueu uma luta dura, mas as pernas
levantaram-se e correu para o largo. Tenho impressão que sorriu quanto o corpo
se colocou em cima das sandálias, nunca saberei…
Havia ali um largo cheio de gente.
Havia tudo ali menos espaço para um homem pequeno como Zaqueu poder ver o outro
homem que ali havia. Foi aqui que ele parou, reparou que a multidão nem sequer
abria espaço para que se chegasse, a sua condição ali nada valia. Depois ficou
envergonhado e teve a sensação de que o homem que ali havia, não quereria nada
de um si Zaqueu que não era dos bons. Ainda rodou a cabeça no pescoço, ensaiando
uma saída em sentido contrário ao da alegria das gentes, da euforia do
encontro, do palpitar dos corações. Seria a sua única oportunidade, naquele
dia, na sua terra, no seu nada.
Havia ali uma figueira-doida, forte
e robusta mas sem figos que se pudessem comer, uma árvore menor no mundo das
árvores de então. Zaqueu subiu-a para ver Jesus, na esperança que dali ninguém
o pudesse ver. Não sabia bem o que queria, mas queria ver com os seus olhos a
Jesus, aquele homem que ali estava e que todos queriam ver, falar, abraçar e
levar para sua casa. Jesus seguia na rua-largo, distribuindo um sorriso que não
acaba nunca. Parando debaixo da figueira-doida, elevou o seu olhar para Zaqueu
e falou-lhe: - desce rápido, quero ficar em tua casa! Zaqueu não caiu com a
vergonha, imediatamente desceu, com o coração vivo num Cristo que não conhecia.
Os ouvidos apitavam e os olhos iluminavam tudo como moedas de ouro.
Jesus naquele momento entrou na casa
de Zaqueu e os dois homens que ali havia, nunca mais se separaram. O peso da
vida de Zaqueu foi trocado pela ânsia de conhecer Jesus. O amor da vida de
Jesus foi trocado pelo perdão que concedeu a Zaqueu. A multidão ainda hoje
permanece naquele lugar, e noutros lugares como aquele onde um homem havia que
queria conhecer o amor. Essa multidão não foi obstáculo, nem a vergonha, nem a
falta de jeito para subir às árvores, nem a falta de orientação nas ruas
sinuosas, estreitas e sujas.
Jesus havia ali. Zaqueu existe aqui. Tu gostavas
de experimentar este encontro? As vidas mudam quando trememos sim, mas não de
medo, antes de amor…
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