O dia em que não voltamos

Do infinito

São as palavras doces da criança, que mais magoam cá por dentro. Uma dor imensa pela verdade da perda que vai chegando devagarinho, deste dia em diante, para sempre. O pai não voltará aquela casa, nem estará ali ao serão, nem de manhã para dizer bom dia. Os dias serão todos iguais até a mãe do menino ficar apenas com a saudade e a recordação das horas felizes que viveram juntos. Olhará os olhos do seu bebé, que ainda não nasceu, e verá sempre a cara do seu amor que entretanto partiu. Verá o primogénito crescer e verá como se transforma no pai. Na parede estará sempre o testemunho do dia em que uniram as suas vidas, um dia de festa, o inicio de uma história de amor. O amor nunca terá um fim. Ficará o amor sempre a viver entre o coração que dói e a vida que continua no crescimento dos filhos...

A rua tornou-se espessa, na escuridão de uma noite fria de inverno. Existem noticias. Depois existem notícias que daria tudo para nunca ter que dar a ninguém. Quando chego há uma pausa no tempo e os olhos de medo de quem implora uma notícia boa, pedem socorro para que não diga palavra alguma. Não digo. Olho. Assinto com a cabeça. Digo. Faço-o com o amor que posso usar ali. O mesmo amor que fará esta mulher viver. O amor que ocupará o lugar do medo, da raiva e da perda - Agora não! Agora não podia ser! O que será da nossa vida? As coisas todas perdem a cor. Já não interessa o espaço, onde pomos os pés, o que trazemos vestido. Em casa não cheira a nada. Não existe barulho nem silêncio. As lágrimas correm sem conta e a dor transforma tudo e todos em cada palavra de súplica: - O que será da nossa vida filho? O que será de nós agora?

Um silêncio ensurdecedor depois dos primeiros gritos de aflição perante a perda de quem se ama. Entrar em casa, no final do dia e perceber que ali não mais tornará o pai, o marido. Perder, é esperar que tu voltes e saber que não virás nunca mais. Perder é brincar com aquele menino sabendo eu que o seu pai não mais o fará. Perder é olhar o regaço da mulher-menina que chora, com vida que pulsa dentro, contrariando cá fora a morte de alguém que lhe dará a vida por amor infinito, no dia em que nascer, amor infinito...

No infinito. Na angustiante perda de alguém que se ama, o amor é a única defesa perante a morte que nos separa de quem nos faz mais falta. - Agora não! Filho, o que será da nossa vida, filho? A criança abraça a mãe. Eu limpo as lágrimas dela e peço que o menino abrace a mãe ainda mais. Há um soluço preso na minha garganta, até hoje. Não o deixei sair. Chora. Não faz mal chorar agora. Chora por amor que a perda é apenas hoje. O amor amanhã será sempre amor. Os teus filhos serão sempre seus e pelo seu amor, nunca esquecerão o pai. Chora, chora tudo porque não faz mal. Pelos teus filhos ama a vida, mesmo que não aceites a morte. No infinito o amor é a única defesa perante a certeza de que o teu amor não tornará a casa. Ama. Recorda. Aceita e ama, porque no infinito somos amor e amar é a única forma de não se morrer nunca...

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