Dar tampa. Dar vida!

Tu

No visor do telefone partido, um comboio de algarismos que nunca lá tinham tocado. Atendo com dificuldade para não partir o resto do vidro que o chão me havia quebrado no dia anterior. Do lado de lá uma voz de mãe, soube-o nas primeiras palavras. Não sabia quem era. A seguir um silêncio de choro e um silêncio de barulho do meu coração a bater. A mãe chora, não consegue dizer nada além de obrigado, obrigado, obrigado…

Na noite antes do dia anterior a este, eu tinha apenas, como outros, publicado um pedido de ajuda nas redes sociais para recolha de tampas, nada de especial. Tinha conhecido a mãe uns anos antes na escola, nunca mais a vi. O menino nunca o havia conhecido, apesar de a sua estória de vida difícil ter ecoado tantos serões nas conversas com a minha esposa, também ela mãe, também ela tolhida de uma dor que só as mães sabem poder aguentar, os pais não, os pais não sabem que aguentam, vão aguentando sem saber…

Na manhã do dia anterior a este, sentado em frente ao computador, o meu coração havia tecido uma mensagem em forma de pedido, um cartaz que precisava de gritar ajuda, que precisava de falar com as pessoas, que precisava de mostrar o menino sem dar dele nenhum traço ao mundo, que precisava de mostrar a dor da mãe e do pai sem nunca ali, naquele papel digital, qualquer traço de nenhum dos dois ser visível, ser visto, ser ali.

Naquela casa o amor tem vindo a marcar uma presença pesada que tem esmagado o sofrimento a cada dia que passa. O peso do amor é extraordinário, tão diferente da paixão que é leve e nos torna ainda mais leves, o amor pelo contrário enraíza-nos no chão, faz-nos suportar tudo, faz-nos aguentar tanto, faz-nos viver tanto, faz-nos lutar tudo. O amor tomou conta daquela casa, depois de tantos dias perdidos dentro de cada um, depois de não haver mais lágrimas para chorar, depois de não haver lugar a mais perguntas porque as respostas nunca chegaram.

A vida não é só dura, é sobretudo dura para com aqueles de quem mais gostamos, e nós no princípio da dor podemos fazer tão pouco, porque queríamos que tudo fosse diferente, porque queríamos que fosse em mim e não nos meus, porque não entendemos nada e queremos apenas ficar parados. Depois não, depois o amor floresce em nós e nós já somos terreno onde as coisas voltam a acontecer. O amor pesa-nos nos ombros para que possamos carregar nas mãos o sofrimento de todos os dias, mas continuamos, direitos, olhos em frente, de mãos dadas com a vida que Deus nos deu para cuidar.

A vida dá-nos tampa quando o que mais queríamos era que ela nos pudesse dar espaço para viver. Respondemos com amor, para que a vida reconheça que connosco tudo se pode, tudo se aguenta, tudo se suporta, tudo se faz.

E se tu nos deres tampa, trataremos de a trocar por vida, porque nesta família o amor é um caixa aberta onde tudo se transforma em mais vida…

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