Na presença do Senhor

 E eu...

Uma dúzia de mulheres, 5 crianças e um Padre. E eu. 

Entrei e fiquei de joelhos. A igreja já preparada para a festa, os seus altares, os seus andores, as capas dos mordomos e os bancos já vazios para que nesse dia todos possam, todos queiram assim quisessem, encontrar-se com o Senhor. Mas eu hoje, eu sempre nesta terra, mas sobretudo hoje, para me encontrar com Jesus. Os joelhos doeram cedo e permaneci firme, em entrega, pensando em todos aqueles que sofrem e eu não, que lhes dói e eu pouco, que lhes foge a vida e eu vivo, que lhes custa tanto e eu nada.

A música de fundo era leve, solta e breve como a aragem da noite quente. As mulheres estavam, as crianças sussurravam e sorriam virando as cabeças para trás. Eu era profunda oração de estar na minha terra, na minha casa, no meu eu de joelhos a doer mas de nada, comparado com as dores do mundo, com os vazios do mundo, com os perdidos do mundo. 

Eu não estava perdido, mas que bom que foi ter-me ali encontrado naquela condição, naquela noite, naquele banco, naqueles joelhos que teimavam em pedir salvação, e eu não, e eu nada, e eu em cima deles como que dizendo baixinho que seria assim, porque ali estava o Senhor e eles, joelhos meus, nada teriam para queixar que eu não assumisse para mim.

O Padre a falar, as crianças nada e as mulheres a responder. E eu. Um banco só para mim, pensei no espaço que ali vagava e pensei nos meus que ficaram em casa. E eu. Amanhã que terão que vir, decidi ali. E eu. No banco do lado uma mãe nova e seu filho. O Padre a falar e ele nada, olhos postos nas mãos, rolando o mundo para baixo e para cima na ponta dos seus dedos esguios. O Padre a falar e a mãe a responder. E eu. E os meus olhos nas mãos dele, e os meus joelhos no chão. E eu. E as dores que subiam fininhas pelas rótulas e os dedos do rapaz que afagavam o vidro da montra do mundo, e eu a ver, pelo canto do olho, os olhos da mãe presos nas mãos, envoltos na vida.

O Padre a falar e eu nada. As mulheres em confissão lá no cantinho e o Santíssimo entre mim e o Padre. E o Padre a falar e as mulheres a responderem e uma a bichanar orações que ninguém ouvia. E eu. E o Santíssimo ali, entre eu e o Padre e eu sem ir, e eu colocado em cima dos joelhos. E os joelhos a doer da moição, e os dedos do gaiato a rolar no espelho, a ver-se lá, e a mãe a olhar as mãos, a olhar o miúdo, a ver com ternura, porque o queria ali, porque a sua vida é ele. E a gente a rezar por dentro, a dizer coisas da vida de dentro, sem mais ninguém ouvir nem saber dos outros. E eu. E na minha oração a terra, o regresso, os meus e a promessa pequena de não ouvir o mundo nas mãos do gaiato.

O Senhor chamou-me no fim. E eu. Eu chamei o Senhor e fui com Ele. Sentei-me depois de me ajoelhar no altar, de 2 vezes de encontro, apertar de novo os joelhos contra o chão. O chão frio, tremendo. E eu. O Senhor e eu, e eu sou o Senhor e tenho urgência na minha vida com ele. O menino ficou a olhar para mim, o único homem não Padre que ali estava naquela noite. E eu. Ficou a ver que ia onde a sua mãe tinha estado, onde as mulheres tinham ido. E eu. Ficou a contar o tempo. Deixou o vidro e deixou o mundo. Apagou-se a luz azul nos seus olhos e olhou para o fundo. E eu. Do fundo me levantei para regressar em cima dos joelhos, e o gaiato se levantou do seu lugar e foi ao encontro do Padre. O Padre levantou-se. E eu. Já em cima dos joelhos doridos, vi o menino ficar sem luz, triste porque não ia já onde todos tinham estado…O Padre não havia visto. E eu.

Peguei no menino pela mão, levei-o ao Santíssimo e apresentei ambos. O menino olhou-nos e sentou-se no banco. - O Padre fala contigo no fim. E eu. Voltei para os meus joelhos e o gaiato ficou ali, no primeiro lugar, na primeira vez. E eu. Como se tivesse começado de novo, como se eu fosse o menino, que também tinha óculos. E eu. O Padre levantou-se. E eu. Olhei no Padre e ele olhou e entendeu. Levantei o menino pela mão e disse onde era o fundo, aquele canto onde o Padre ia. Voltei ao banco, já sem joelhos, cheio de Deus, de mão dada com o Senhor, porque a criança encontrou-se ali, naquela noite, naquele dia, naquela mãe que o levou a ver o mundo fora do vidro. E eu.

No fim de tudo o menino sorriu-me. A mãe sorriu-lhe. E eu. Agradeci a Deus. A mãe agradeceu-me. O gaiato disse: quero falar com o padre, esqueci-me de lhe dizer uma coisa… E eu…


 

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