Estrela da tarde

Estrela
Descias tua a rampa e subia eu. Cruzamos os olhos na pressa do caminho que já ia em passo largo, aliás, como vai sempre. Continuamos a queixar-nos do tempo e ele continua a fazer-nos seu refém. Paramos. Lembrei-me imediatamente da primeira vez que te vi, sentada na sala numa aula nocturna de uma qualquer disciplina na Escola Industrial. Conseguias sempre chegar primeiro que eu, que gosto sempre de ser o primeiro. A felicidade de nos termos cruzado foi mais forte do que a normal falta de tempo. Sorrimos de verdade e falamos com vagar. Eu no meu novo trabalho e nas novas aventuras do frio, dos planos, das cidades resilientes. Tu na serena resiliência de quem luta pela mãe, de quem não esquece o pai e de quem, no cansaço dos dias, continua a sorrir com os olhos.

Eu pela minha menina grande, pelos filhos, tu pelos meus filhos na tua escola, na vossa escola. Eu pelas letras que escrevo, tu pelo desassossego de me leres de quando em vez. Tu escreves coisas!!!! Pois, quando tenho tempo - atirei eu escondendo a vergonha na biqueira do sapato. Eu pela corrida, pelas crianças, tu pelos alunos, pela correria, pelos pais...não sei bem se por ti...não terás tempo para ti...

Rodamos no pavimento de terra, eu a sair do carro, tu a entrar para o teu. Hoje sais com luz do sol, será certamente um bom dia, - nem por isso, dizias tu procurando sorrir sem grande sucesso, mas os olhos, esses, continuavam a sorrir, porque esses, continuam a ver o mundo e o que vai para lá dele, continuam a ver os dias e o que queres fazer com eles, continuam iguais mesmo quando todo o resto de nós se vai transformando com os anos. Os olhos continuaram a falar da tua mãe, do teu pai e da entrega pelo cansaço, pelo sofrimento e pela incapacidade de lhes dares outra tu.

Gostei de te ver. Também eu. A verdade é que faz tempo que não "nos víamos", apesar de nos cruzarmos tantos dias. Daqui a mais uns anos, vamos dizer de novo: gostei de te ver, mesmo quando os olhos já não virem da mesma forma, mas continuarem a sorrir de verdade. Gostei de ter ver. Vai lá. Pois vou. Os filhos e os pais não se podem fazer esperar, porque uns e outros, esperam de nós que continuemos a subir a rampa com os olhos na pressa do caminho, tentando que uns e outros sejam sempre felizes...

Gostei de te ver...

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